Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

domingo, 8 de junho de 2008

FLORBELA ESPANCA

foto: autor desconhecido
Florbela Espanca

VOLÚPIA

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…

LÚCIO CARDOSO

foto: autor desconhecido
Lúcio Cardoso



TESTAMENTO

Quando um dia pedirem
para dizer o que fui,
lembre-se de mim:
nem leviano nem grave
- humano.

Este ser sem coragem da mentira,
sem amar, porque o amado
é distante e forte;
sem querer, porque o querer
é uma possibilidade de ficar;
sem pedir, porque o orgulho impede
- o único orgulho –
o da raça.
Sem nada. Porque o nada
é o modo genial de tudo ter.
Este.
Não sou mais, porque a lenda
aos poucos devora meu corpo
e tendo sido
precavenho-me para o depois.
Eu sou o depois.
Mas assim como sou
quando um dia pedirem
para dizer que fui
a imagem é fácil:
um ser no vento,
e de tanto passar –
ficou.