Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 16 de agosto de 2008

MINERVA


Minerva, História e Tempo (1700), de Francesco Solimena.

The National Gallery, Londres

JORGE LUIS BORGES


foto: Pepe Fernández, 1969, Paris.
fonte: wikimedia commons

Jorge Luis Borges


ARTE POÉTICA

Olhar o rio que é de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.

Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme a nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.

Ver no dia ou até no ano um símbolo
Quer dos dias do homem quer dos anos,
Converter a perseguição dos anos
Numa música, um rumor e um símbolo,

Ver na morte o sono, no ocaso
Um triste ouro, assim é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Volta como a aurora e o ocaso

Às vezes certas tardes uma cara
Olha-nos do mais fundo dum espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a nossa própria cara.

Contam que Ulisses, farto de prodígios
Chorou de amor ao divisar a Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade e não prodígios.

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heraclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.

Tradução de Ruy Belo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

ESFINGE

fonte: wikimedia commons

A Esfinge, de Fernand Khnopff.

Museu Real de Belas Artes, Bruxelas

NOVALIS

imagem: Franz Gareis. fonte: wikimedia commonsNovalis

Hinos à noite

Parte II


Por que a manhã deve sempre retornar? O despotismo do dia nunca terá fim? A atividade profana consome a visita angélica da noite. Nunca chegará o dia em que o sacrifício oculto do Amor arderá eternamente? Veio o tempo da Luz; porém, o domínio da Noite é eterno e ilimitado. A duração do sono é eterna. Sono Sagrado, servo dedicado da Noite, não se preencha de júbilo no trabalho mundano do dia. Os tolos julgam-te mal, nada conhecendo do sono exceto a sombra que lanças piedosamente sobre nós no crepúsculo da noite real. Eles não te sentem no fluxo dourado das videiras, no óleo mágico da árvore das amêndoas, e no suco marrom do pomo da papoula. Eles não sabem que és tu quem assombra o seio da bela dama, e transforma em Céu a sua nobreza; jamais suspeitam que és tu, guardiã do Céu, quem envia a eles as antigas histórias, mensageira silenciosa dos segredos infinitos, portadora da chave para a morada dos abençoados.

Tradução de Orlando Marcondes Ferreira Neto

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

MUSAS


fonte: wikimedia commons

As Musas Clio, Euterpe e Tália, de Eustache Le Sueur.

Museu do Louvre, Paris

ELIZABETH BISHOP

fonte: thedeletions.blogspot.com

Elizabeth Bishop



UMA ARTE

A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.

Tradução de Horácio Costa

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

GIACOMO LEOPARDI

Fonte: wikimedia commons

Giacomo Leopardi

CANTO XII - O INFINITO

Sempre caro me foi este ermo outeiro,
e aquela sebe, que em tão grande parte
do horizonte final o olhar exclui.
Mas sentado, a mirar intermináveis
espaços além desses, sobre-humanos
silêncios e sossegos profundíssimos,
me afundo no pensar, onde por pouco
meu coração não se amedronta. E, como
ouço o vento roçar contra estas plantas,
o silêncio infinito comparando
vou a tal voz: e sobrevêm-me o eterno,
as mortas estações, mais a presente
e viva, e o seu rumor. Assim, por esta
imensidade o meu pensar se afoga:
e o naufragar me é doce neste mar.

Tradução de Renato Suttana

terça-feira, 12 de agosto de 2008

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

CENTAUROS

Fonte: Wikimedia Commoms

Batalha entre os centauros e os lápites (detalhe), de Piero di Cosimo.

National Gallery, London.

JOSÉ MARIA DE HEREDIA

Fonte: Wikimedia Commoms

José Maria de Heredia

FUGA DOS CENTAUROS

Fogem, ébrios de crime e de rebelião,
Para o monte escarpado onde escondem seu forte,
O medo os precipita e, farejando a morte,
Pressentem pelo ar um cheiro de leão.

Atravessam, pisando a hidra e o estelião,
As torrentes, os vales e abismos, de tal sorte
Que já vêem no céu, desenhado, o recorte
Do Ossa, do Olimpo ou do negro Pelião.

De vez em quando algum da bárbara manada
De súbito se empina, a cabeça voltada,
E num salto regressa ao gado fraternal,

Ao ver que a lua cheia, a arder no céu suspensa,
Atrás deles projeta, espantalho fatal,
O gigantesco horror da sombra hercúlea, imensa.

Tradução de A. Herculano de Carvalho

domingo, 10 de agosto de 2008

OS ARGONAUTAS


Fonte: Wikimedia Commoms

Os Argonautas, de Lorenzo Costa

Museo Civico

JUANA DE IBARBOUROU

Fonte: Wikimedia Commoms
Juana de Ibarbourou

O CAÇADOR

Meu irmão Caliban, eu vou à caça
Destroçar asas, abater do bando
O pássaro que voa, eleito de Ariel,
Junto do céu voando.

Já que não posso alçar-me deste solo
Onde tenho o meu lar e a minha raça,
Meu irmão Caliban, detenho o vôo
Do pássaro que passa.

Tradução de A. Herculano de Carvalho