Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 3 de janeiro de 2009

TESEU E MINOTAURO

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Teseu e o Minotauro (mosaico)

VLADIMIR MAIAKOVSKI

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Vladimir Maiakovski

A FLAUTA VÉRTEBRA

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

BACANTE E PÂ

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Bacante e Pã, de George Demetrescu Mirea

PABLO NERUDA

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Pablo Neruda

TÉDIO

Ir levando no caminho os amores perdidos
e os sonhos idos
e os fatais sinais do olvido.

Ir seguindo na dúvida das horas apagadas,
pensando que todas as coisas se tornaram amargas
para alongarmos mais a via dolorosa.

E sempre, sempre, sempre recordar a fragrância
das horas que passam sem dúvidas e sem ânsias
e que deixamos longe na estéril errância.

Tradução de Albano Martins

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

APOLO E DAFNE

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Apolo e Dafne, de Piero Pollaiuolo

VELIMIR KHLÉBNIKOV

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Velimir Khlébnikov

TEMPOS-JUNCOS

Tempos-juncos
Na margem do lago,
Onde as pedras são tempo,
Onde o tempo é de pedra.
No lago da margem,
Tempos, juncos,
Na margem do lago,
Santos, juntos.

Tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

EUROPA E ZEUS

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O Rapto de Europa (1562), de Tiziano Vecellio

PAUL VAN OSTAIJEN

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Paul Van Ostaijen

VERSO 6

Eu não posso colecionar selos
Eu não posso colecionar fotos de mulheres
Eu não posso colecionar namoros
nem sabedoria
eu já não posso nada mais
eu já não posso nada mais
Porque não apago a luz
e não vou pra cama
Eu quero provar
estar nu
pelado quem sabe sim púrpura gelada
e palidez
Não é assim o próprio princípio principiante
Eu não quero saber nada
eu não quero perguntar
porque
eu não me tornei um colecionador de selos
Eu começarei por dar meu fracasso
Eu começarei por dar minha falência
Eu me darei um pobre despedaço de terra
uma terra pisoteada
uma terra de urzes
uma cidade ocupada
Eu quero estar nu
e começar

Tradução de Philippe Humblé e Walter Costa

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

DEMÉTER


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Deméter procurando por Perséfone, de Howard David Johnson

JOSÉ LEZAMA LIMA


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José Lezama Lima


A ESCADA E A FORMIGA

À meia-noite
a formiga desce a escadaria do hotel.
Tenta seguir o alongamento de uma linha reta.
Às vezes pára: que labirintos resolverá?
Mas cada patamar a faz parar
de um modo surpreendente.
Anda pelo degrau como se procurasse
a encosta necessária para suas costas,
e então se precipita como se cantasse.
Está livre de todo compromisso,
mas acha de imprevisto um pedaço de asa
e corre pra alcançar a casa que desconhecemos.
Faz a folia em todas as escalas
e depois desce gabola até a outra
correndo como se estivesse numa praia.
Está feliz
por dominar a escada.
Sabe que terá sucesso em sua luta.
O sapato que pode machucá-la
passa raspando, mas lhe deixa
um pedaço de folha de tabaco,
uma pétala maculada,
o sal que acalora seus olhos dominantes.
É a senhora da escada
e passeou degrau por degrau
com a elegância de uma dama inglesa
que leva o lixo até a esquina,
ao latão verde
com a coroa inglesa
riscada pelos dois leopardos.

Tradução de Josely Vianna Baptista

domingo, 28 de dezembro de 2008

SEREIA

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Sereia, de Edward John Poynter

VASKO POPA


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Vasko Popa


DENTE DE LEÃO

Na beira do passeio
No fim do mundo
Olho amarelo da solidão

Cegos pés
Apertam-lhe o pescoço
No abdômen de pedra

Cotovelos subterrâneos
Empurram suas raízes
Para o húmus do céu

Pata canina ereta
Faz-lhe troça
Com o aguaceiro recozido

Contenta-o apenas
O olhar sem dono do passante
Que em sua coroa
Pernoita

E assim
A ponta de cigarro vai queimando
No lábio inferior da impotência
No fim do mundo

Tradução de Aleksandar Jovanovic